“Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, porquanto, receberam a mensagem com vívido interesse, e dedicaram-se ao estudo diário das Escrituras, com o propósito de avaliar se tudo correspondia à verdade”. Atos 17:11
Entender as bases Bíblicas de Missões é de vital importância para a Igreja, pois assim entenderemos também o significado real de evangelizar. Por ser a Bíblia a Palavra de Deus, ela é o instrumento utilizado por Ele mesmo, pelo seu povo, pela Igreja e por Jesus para anunciar o Seu propósito para toda a terra. O trabalho missionário demonstra e comunica o amor de Deus na vida do ser humano de modo integral e é o responsável por trazer para Deus a adoração, proclamação, testemunho e serviço de toda a humanidade e, para transmitir tudo isso, precisamos da Sua Palavra, isto é, da Bíblia. Isto não quer dizer que todos serão salvos (“Mas, a todos quantos o receberam…” – Jo. 1:12), mas que todos terão a oportunidade para salvar-se. Você não pode se dizer Igreja se não estiver disposto a fazer parte do projeto proclamador para o qual ela foi criada.
A Bíblia, Palavra de Deus, aqui passa a ser o nosso objeto de estudo. Nela encontramos não só que Missões começam em Deus, como também toda a informação de como essa Missão chegou para toda a humanidade: primeiramente através de um homem, depois de um povo e com o seu apogeu em Cristo: o próprio Deus entre nós, chegando à Igreja primitiva e consequentemente à Igreja da atualidade e por fim, tendo o resultado final de todo o trabalho realizado apresentado diante de Deus.
Antes de iniciarmos o estudo sobre as bases bíblicas de missões, vale observarmos algumas curiosidades sobre ela:
A Bíblia, como livro histórico, é o registro dos acontecimentos desse mundo, começando da sua criação até seu final. A Bíblia está dividida em duas partes: Antigo e Novo Testamento. No Antigo Testamento encontramos a aliança celebrada entre Deus e o povo de Israel, e como este povo deveria projetar o plano salvador de Deus para o mundo; aqui trata da promessa de Deus de enviar o Messias para o mundo. No Novo Testamento encontramos a aliança entre Deus e a sua Igreja, para que por meio dela todos os povos fossem alcançados; aqui trata do cumprimento da promessa do Messias e a promessa deste para todo aquele que n´Ele crer (Jo. 14:1-7).
Com relação aos seus livros, os acontecimentos estão assim distribuídos: em Gênesis encontramos o modo como o mundo foi criado, a entrada do pecado, o dilúvio, a chamada de Abrão e o princípio da nação de Israel. Os livros de Êxodo até Ester contêm a história do povo de Israel até 400 anos antes de Cristo. Os livros de Jó e Cantares de Salomão contêm lindas poesias e sabedoria. Os demais livros do Antigo Testamento – de Isaías a Malaquias – são os livros proféticos, isto é, esses livros contêm mensagens de Deus com relação ao presente e ao destino futuro de Israel e muitos outros povos. No Novo Testamento encontramos os evangelhos, que são em número de quatro, os quais apresentam a vida do Senhor Jesus Cristo. O livro de Atos dos Apóstolos conta a história dos primórdios do Cristianismo, revelando o início da Igreja e os testemunhos pessoais de várias pessoas que tiveram encontro com Jesus, incluindo a conversão do apóstolo Paulo. Nos livros de Romanos a Judas, que são cartas para as igrejas e indivíduos, encontram-se grandes verdades da fé cristã e instruções práticas relativas à vida cristã. E, por fim, o livro de Apocalipse nos permite um vislumbre do futuro, de eventos que acontecerão nos céus, na terra e no inferno.
Muitos inimigos tentaram desacreditar a Bíblia como Palavra de Deus durante a história da humanidade, mas sem sucesso, pois ela continua tão forte, verdadeira e relevante quanto sempre foi. Nenhum outro livro foi capaz de transformar tantas vidas durante tanto tempo como a Bíblia; por esses e muitos outros motivos a consideramos como nossa regra de fé e prática (Mc. 13:31).
Já sabemos que a Bíblia é a revelação de Deus para toda a humanidade. Sabemos também que é ela que revela a realidade do pecado, o plano missionário de Deus, bem como a sua vontade para toda a criação. Sabemos ainda que Jesus Cristo é o tema central – pois todas as coisas partem d´Ele e convergem para Ele – (Jo. 5:39; Lc. 24:26-27; Gl. 4; 1 Co. 15:3) e que ela nos mostra como tudo aconteceu desde a criação, a corrupção e a redenção do mundo. É a Bíblia também que nos ensina o certo e o errado (Ez. 44:23; Sl. 119:9, 11; Dt. 11:26-28; 1 Pe. 1:14-16), é ela quem nos limpa (Jo. 15:3), nos ensina (Sl. 25:9; 2 Tm. 3:16), é lâmpada e luz (Sl. 119:105).
Podemos aqui também fornecer inúmeros motivos pelos quais devemos ler a Bíblia: ela é a palavra de Deus (Pv. 6:22; Hb. 4:12); ela alimenta a nossa alma (Lc. 4:4; Jo. 6:63); ela nos enche de paz, de alegria e nos conforta (Rm. 15:4-5; Jr. 15:16; Sl. 19:8); ela guia o nosso caminhar (Sl. 119:105; Pv. 6:23; Mt. 22:29); ela é nossa arma contra o inimigo (Ef. 6:17; Pv. 30:5); ela nos permite crescer na graça e no conhecimento de Cristo (2 Pe. 3:18; 1 Pe. 2:2-3); ela nos capacita a falar a verdade com mansidão (1 Pe. 4:11; 1 Pe. 3:15).
Lembramos ainda que, nesta matéria, o que estamos estudando é apenas uma discussão breve sobre as Bases Bíblicas de Missões, isto é, trata-se de um estudo superficial, deixando claro que cada aluno poderá, ao longo ou depois do curso, buscar maior aprofundamento de cada tópico aqui apresentado e/ou escrever sobre os mesmos de modo mais aprofundado. Para facilitar a nossa compreensão, o tema será dividido em sete subtemas que deverão ser suficientes para este estudo.
Já aprendemos que a missão é de Deus (Missio Dei) – parte do Deus Trino – e nos engloba como seus cordeiros na tarefa de continuarmos o seu trabalho entre nossos semelhantes. Este Deus missionário na Bíblia aparece de Gênesis a Apocalipse demonstrando o seu objetivo salvador, vem até nós através de Jesus, nos transforma com seu poder restaurador e por fim nos envia. (Mt. 20:18-20). A Igreja não tem como fugir desta dinâmica. Envolver-se com esse Deus da Bíblia significa estar sujeito e disposto ao trabalho missionário (Ex. 3:10a). Biblicamente e teologicamente, não é possível envolver-se com o Grandioso Missionário e não ser influenciado ou impactado pelo amor às almas.
Se aceitarmos que Missões têm o seu início no próprio Deus, significa dizer que já existia antes do povo de Israel e da Igreja serem criados; significa que começou quando Deus resolveu criar o homem através do seu amor. Este ato de criação especial e amoroso de Deus através do barro (Gn. 1:27) demonstra que Ele estava se envolvendo com aquele a quem estava criando e, ao mesmo tempo, estava o envolvendo Nele ou com Ele (Efésios 2:10).
Desse modo, percebemos que a Igreja deve ser movida por este mesmo amor que estava em Deus para poder estar apta a realizar a tarefa evangelizadora. Não era um amor qualquer, era um amor capaz de promover um simples barro à Sua semelhança; era um amor capaz de elevar a qualidade de vida do homem de forma integral. Assim pensando, o sentido integral da missão da Igreja é promover integralmente o ser humano, transformando-o em todas as esferas: religiosa, social, política, étnica e ética, moral, etc., é o tornar-se sal e luz (Mt. 5:13-14) e principalmente é um amor universal. Muito antes de se preocupar com o povo de Israel e com a Igreja, Deus já se preocupava com o mundo inteiro, este sempre foi o Seu objetivo. (Gn. 1:1, 12:1-3; Jo. 3:16; 1 Co. 15:28)
O povo de Israel, assim como a Igreja atualmente, foi (e ainda é) apenas o instrumento usado para alcançar o Seu grandioso propósito: não quer que nenhum se perca (1 Tm. 2:4; 2 Pe. 3:9). O amor de Deus é para todo o mundo (Jo. 3:16). No Antigo Testamento, Ele usa a história do povo hebreu para alcançar os povos daquele tempo. Depois de Cristo, já no Novo Testamento e até aos nossos dias, Ele usa a Igreja para continuar e completar todo o seu plano.
Assim como em Jo. 3:16, a Palavra de Deus nos diz que o Seu amor é universal; em Mt. 28:18, ela nos afirma que em Cristo está todo o poder e autoridade dos céus e da terra. Desse modo entendemos que aquele Deus que ama a todos, que tem todo o poder, é o mesmo que de todas as coisas receberá a glória e a honra (Cl. 1:16-17), será adorado por todos (Fp. 2:10-11) e por isso mesmo nos enviou a todos (At. 1:8). Diante de tal amor e responsabilidade é importante acompanharmos o modo como esse Deus amoroso utilizou os seus instrumentos na história da humanidade para realizar o seu objetivo final. Para tal estudaremos as Bases Bíblicas para a concretização da “Missio Dei”, uma vez que consideramos que ela é o relato cabal da história daqueles que foram chamados para a realização salvadora do Deus que ama a todos. Daí compararmos a bíblia a um corpo humano: no corpo humano, em qualquer lugar onde se corta, sai sangue; e na Bíblia, em qualquer lugar em que se lê, prova-se essa Missio Dei revelada a todos os homens. E, assim, entendemos a Bíblia como o livro no qual a Missão de Deus é revelada à humanidade.
Por Revelação de Deus, entendemos o fato de que Deus transmitiu à humanidade a informação de como Ele é e de como podemos nos relacionar com Ele. Esta revelação se deu de forma progressiva e eficaz, no sentido de que Ele ia se revelando aos poucos no decorrer da história e, ao mesmo tempo, transmitia tudo o que o homem precisava conhecer a respeito de si mesmo e de como deveria agir para adorar ao seu Criador. Por isso mesmo afirmamos que é a Bíblia a autoridade final sobre todas as questões que envolvem a humanidade no âmbito espiritual, biológico, cultural, ético, moral, prático, social, etc.
Uma vez que acreditamos que o propósito de Deus na sua missão é a salvação do homem, o que se pode dizer dos primeiros versículos de Gênesis, nos quais o homem ainda não havia sido criado? É muito simples, neles notamos o Deus Universal criando o ambiente no qual o seu amor seria demonstrado. Para que o homem existisse era necessário um cenário propício à sua existência e à sua sobrevivência. Por isso, nos 25 versículos iniciais, observamos o cuidado de Deus em demonstrar a dimensão do seu amor para aquele que seria a sua obra prima, preparando todas as coisas para que nada lhe faltasse.
1. O início – resposta de Deus
Já dissemos que a missão começa e termina em Deus, Ele é o Alfa (início) e Ômega (fim) de todas as coisas. Desse modo, ao criar o mundo e tudo quanto nele há (Gn. 1:1-25), Deus estava revelando o Seu plano de ser adorado no céu e na terra (Sl. 19:1, 102:25-27; 1 Cr. 29:11; Pv. 16:4a; Cl. 1:16-17; Ne. 9:6).
Em Gênesis 1 podemos observar o propósito de Deus de ser adorado por toda a criação. O versículo 26 nos apresenta a coroa da criação de Deus, através da qual Ele receberia um louvor autêntico e racional. Observamos que Deus criou o homem à sua imagem. Há três tipos de imagem:
Não sabemos precisar por quanto tempo o homem e toda a criação adorou a Deus de maneira plena e pura. O que sabemos é que no capítulo 3 de Gênesis, dos versículos 1 ao 20, observamos a desobediência do homem, a corrupção do gênero humano (Rm. 3:10-23; 5:12-13) e a perda da autoridade e do domínio (Gn. 2:15). Deus não ficou contente com o acontecido, mas pela sua onisciência já sabia o que aconteceria e já havia preparado o seu projeto missionário para a humanidade (Ef. 1:4; Mt. 25:34; 2 Ts. 2:13; 2 Tm. 1:9; 1 Pe. 1:20). Deus tomou as rédeas dos acontecimentos a seguir e fez a grande promessa de salvação para a humanidade (Gn. 3:14-24): Ele outorgou juízo sobre o pecado do homem, da mulher e da serpente que trouxe maldição para a criação como um todo; Ele prometeu o Resgatador; o próprio Deus providenciou a cobertura inicial (Gn. 3:21).
É aqui que gostaríamos de iniciar o estudo sobre a resposta de Deus para o pecado do homem. Vamos entender: o homem havia desobedecido (Gn. 3:1-6) e o pecado havia entrado no mundo, porém Deus não o abandonou. Ele o procurou (v. 8-9) e, como se não bastasse, Ele próprio proveu a maneira de cobrir o pecador (1 Pe. 4:8) e, ao derramar o sangue de um animal para fazer roupas para o homem, ele estava apontando o caminho necessário para a remissão do pecado (Hb. 9:22). Mas o homem continuou a pecar contra Deus, o pecado espalhou-se e se tornou mais espesso a cada nova geração (Gn. 6:5, 11), a ponto de forçar Deus a, mais uma vez, julgar os pecados da humanidade e desta vez executar juízo universal (Gn. 7; 8). Ainda assim Ele continua a demonstrar a sua misericórdia e, através de Noé, preserva a raça humana e a natureza. Observamos então que, a partir de Adão, a relação entre Deus e o homem só piora. Em Gênesis 3-11, lemos sobre a queda e todas as rebeliões provocadas pelo homem. Não suportando mais, Deus dá um basta na situação, destruindo toda a carne vivente e preservando apenas Noé e sua família, para que se tornassem os novos representantes do Reino de Deus para o mundo.
Em Gênesis 10 encontramos uma grande genealogia que mostra o surgimento das nações, apontando mais uma vez para o projeto de Deus para salvar toda alma vivente através dos descendentes de Noé (Jo. 3:16; 1 Tm. 2:1-7; Rm 1:16-17), marcando a natureza com o sinal da sua promessa. No entanto, a descendência de Noé resolve desobedecer a Deus (Rm. 5:12), deixando a história da humanidade mais uma vez inalterada com relação ao projeto salvador de Deus. A rebeldia do homem em relação a Ele continuou, através da construção da torre de Babel, agravando ainda mais a situação da humanidade. Babel foi construída como símbolo de unidade, um lugar onde as pessoas pudessem se reunir e observar a sua própria grandeza, um lugar de segurança e união. Mas com tal atitude eles estavam desobedecendo ao mandamento de Deus. Eles estavam, na verdade, dizendo a Deus: “nós não vamos espalhar o Seu domínio sobre a terra”. Então, Deus novamente toma providências para que a Sua Palavra fosse obedecida (Gn 10:8). Para evitar que o pecado tomasse dimensões ainda maiores, Deus decide criar as diferentes línguas, separando povos e nações como forma de julgamento para os descendentes de Noé (Gn. 11:1-10).
No capítulo 11 podemos aprender que o homem continuava buscando a sua independência de Deus e agindo mal diante d´Ele, trazendo para o mundo confusão (Babel), insegurança, constrangimento, mal-entendido, desconfiança e todo o tipo de mal. Como forma de julgamento, o próprio Deus cria várias línguas e os dispersa pela terra (Sl. 24:1; 1 Co. 10:26). No entanto em Atos 2, Deus reverte o processo de confundir as línguas como forma de expansão do trabalho missionário da Igreja, e em Apocalipse vemos a nova realidade na qual todo o povo é unificado em Cristo Jesus como resultado da tarefa missionária da Igreja.
A partir do capítulo 12 e até o fim do Antigo testamento, a ênfase missionária passa a estar voltada para um homem e seus descendentes como instrumentos de Deus para a salvação da humanidade