3. Resposta de Deus – um povo
Talvez neste momento alguns possam pensar que, se o propósito primário de Deus era o “mundo”, então por que tanto destaque a uma única nação? O que este povo tem que o torna tão especial a ponto de o Antigo Testamento lhe dar tanta ênfase? Responder a estas e muitas outras questões sobre os motivos que levaram Deus a escolher o povo hebreu (judeu) só é possível através do estudo da própria palavra de Deus, base infalível do nosso estudo.
A primeira coisa que precisamos saber é que Deus fez a promessa a Abraão de que, através dele, surgiria uma grande nação. Os israelitas são os descendentes naturais de Abraão sobre os quais Deus havia dito que se tornariam grandes e numerosos. Aqui cabe lembrar que Deus também fez promessas de grandiosidade para o descendente de Abraão com Hagar. Assim, tanto os judeus como os árabes são descendentes de Abraão e receberam promessas da parte de Deus. A diferença está no fato de Isaque ser o filho da ação direta de Deus na confirmação do seu projeto salvador, e Ismael ser o filho da ação humana no sentido de querer ajudar ou antecipar o plano de Deus.
Abraão foi o homem que, vivendo em meio a um povo idólatra e que não adorava ao Senhor (Josué 24:2), decidiu fazer a diferença e obedeceu ao chamado de Deus porque creu na promessa d´Ele. Por isso Deus manteve a sua promessa para com a sua descendência (Gn. 22:17-18). O povo de Israel (como ficou sendo chamado) foi escolhido por Deus com o propósito de, através de sua história, fazer conhecido o Nome do Senhor entre todas as nações da terra. Eles deveriam testemunhar para todas as nações das grandezas de Deus e preparar o caminho para a chegada do Messias – Jesus Cristo – e para isso Deus lhes deu as Suas Leis. Essas leis mostram que Israel deveria viver entre as nações de tal forma que seria um atrativo para que elas desejassem conhecer o seu Deus, Único e Verdadeiro. (Ex. 12:37-38; 19:4; Js. 23:3; Dt. 4:5-8; Sl. 67; Is. 61:9). A história do povo de Israel está repleta de milagres de Deus como forma de conduzir todas as nações para a salvação (Js. 4:23-24; Rt. 1:15-17; Et. 4:14). No entanto, Israel falhou no seu propósito ao entender que a eleição de Deus para si era exclusivista, apenas para ele, deixando de lado os outros povos. Não é à toa que Blauw escreve “Tentar encontrar Israel buscando alcançar as demais nações ou uma justificativa para a realização de missões no AT é quase se deparar com a decepção, pois os israelitas fecharam-se em torno de si, demonstrando um conceito equivocado de sua eleição, mas o que está em pauta no AT não é a atividade humana, e sim os atos divinos com vistas à salvação de Israel e, consequentemente, a salvação das nações, ao se depararem com os feitos divinos no meio dos israelitas” (Blauw, 1966).
Compreendemos com isto que o mérito da escolha não está no povo escolhido, mas “Naquele” que o escolheu, pois não havia nenhuma qualidade neste povo para torná-lo especial ou que pudesse atrair a Deus para eles (Dt. 7:6-7). Como diz Pate: “Deus chamou Israel para mostrar seu poder, a glória, a compaixão e o amor divinos às outras nações” (Pate, 1987, p. 11).
Toda a história hebraica reflete o poder de Deus e o seu desejo de tornar-se conhecido em toda a terra (Nm. 14:15-21), quer através da Lei – testemunho prático diário (Lv. 16:29; 17:8; 19.33), ou do culto – testemunho religioso, dos reis, dos profetas e dos anônimos (Ex. 19:4-6; 2 Cr. 6:33; Js. 4:24; 1 Sm. 17:45-46; 1 Rs. 8:43; Sl. 2; 22; 33; 47; 50; 66:1, 4, 7, 8, 23, 67; 72:11,17; 86:9; 89; 95; 96, 98, 117, e 145; Is. 43:2; 44:6; 45:23; 49:6; 52:10; 56:6-8; Jr. 1:5; 31:34; Zc. 9:10; 14:16-17; Os. 2:23; Ml. 1:11; Am. 9:7), quer através da própria história secular do seu povo 1 Rs. 8:41-43; 10:6; 2 Rs. 5; Cr 2:17.
Mas Israel também falhou e por isso mesmo Deus, conforme havia prometido, enviou a Jesus Cristo, o Messias, a Semente da Mulher, que fez a sua parte do plano missionário de Deus e fundou a Igreja para que por meio dela toda a terra fosse alcançada. Veja o que Peters diz sobre a relação entre Israel e a Igreja na perspectiva missionária: “Devido ao fato de Israel ter falhado em ser luz do mundo e o sal da terra ao nível de sua capacidade e necessidade do mundo, Deus temporariamente deixou Israel de lado, a qual havia sido a serva que escolheu. Ele chamou a Igreja de Jesus Cristo para ser uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo peculiar, para erguer louvores Àquele que tirou os cristãos da escuridão e os levou à sua maravilhosa luz (1 Pedro 2.9). A função de Israel foi transferida temporariamente para a Igreja de Jesus Cristo, que se tornou a testemunha, o sacerdócio, o servo, a luz, o sal” (PETERS, 2000). Do mesmo modo que Israel foi escolhido para convidar as nações da Antiga Aliança, a Igreja foi escolhida para levar as boas novas de salvação para todo o povo, em todos os lugares da terra (Mt. 20:19). Assim, podemos dizer que Israel foi a forma de Deus agir no tempo e na história para cumprir as Suas promessas, pois seu plano para este povo, de modo resumido, era o de abençoar as nações (famílias) – Gn. 12:1-3 e tornar o seu povo como sacerdotes (mediadores) diante das nações – Ex. 9:13-16; 12:38, 48; 19:4-6; Sl. 67.
Podemos concluir que, no Antigo Testamento, o mundo está dividido em duas partes: de um lado está o povo escolhido por Deus como sua propriedade particular e sacerdócio real e, do outro, estão todas as demais nações (Dt. 32:8-9). Segundo Brandanini, a eleição de Israel representa para si mesma uma contínua ameaça política e religiosa. Ameaça política, porque Israel está sempre envolvida em turbulências com os povos vizinhos; ora por causa da posse da terra, ora por questões de prestígio e por isso deixou de cumprir o projeto de Deus para os povos (Dt. 10:18-19). E também uma ameaça religiosa, porque vivia no meio de nações politeístas e idólatras, e muitas vezes cedia à tentação, voltando-se contra Deus para seguir os caminhos dos seus vizinhos (Jz. 2:11s; 1 Rs. 11:5-8; 2 Rs. 16:10-18; 21:3-7; Ez. 8). Outras vezes sofria perseguições por demolir altares, despedaçar estátuas, cortar postes sagrados, queimar ídolos, conforme prescrição de Deus (Dt. 7:1-8). Há também valores humanos nas nações que não podiam ser desprezados por Israel (Dt. 6:10s; 1 Rs. 5:9-14; 7:13 ss) na sua função de sacerdotes e missionários. Porém, vamos salientar que as nações em geral continuaram à margem do projeto de Deus através do seu povo, com raras exceções estrangeiras: Melquisedeque (Gn. 14:18 ss), Jetro (Ex. 18:12) e Naamã (2 Rs. 5:17). Além destes, houve outros que se integraram ao povo de Israel: Tamar (Gn. 38), Raabe (Js. 6:25), Rute (Rt. 1:16), os gibeonitas (Js. 9:19-27), os estrangeiros residentes que se fizeram circuncidar (Ex. 12:48ss; Nm. 15:14 ss), e aqueles que viriam futuramente para o Senhor, conforme as profecias (Is. 2:2-4; Is. 45:14-17.20-25; Is. 60:1-16; Zc. 14:16; Is. 19:16-25; Is. 66:18-21; Sl. 47; Sl. 87:5; Is. 42:4.6). Isto nos mostra a tendência Israelita de ora fechar-se num intenso nacionalismo (Ed. 9-10; Ne. 10; 13), ora abrir-se aos pagãos como sacerdotes para o que foram chamados (Is. 56:1-8), e somente a intervenção divina faz de Israel “Luz das nações”, a qual convoca todo o povo para adorar ao Senhor (Sl. 46:8-10; 95:1).