5. Resposta de Deus: a Igreja – fazendo missões na prática
“[…] auto-revelação de Deus como Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com o mundo, a natureza e atividade de Deus, que compreende tanto a igreja quanto o mundo, e das quais a igreja tem o privilégio de participar. Missio Dei enuncia a boa nova de que Deus é um Deus – para as/ pelas pessoas” (Bosch, 2002, p. 28) está implícita em Jesus.
Receber Jesus, e aceitar Sua missão como a revelação verdadeira e única do Pai, significa receber vida eterna. Jesus recebeu autoridade sobre toda a humanidade para conceder vida eterna aos que o Pai lhe deu. Essa vida é explicada em termos de “conhecer o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem ele enviou” (Jo. 17:3). Claramente, Jesus teve a missão de salvar pecadores, não importando como, onde e quando estes se encontrem (Mt. 19:10; Mc. 10:45), e delegou à Igreja, representada pelos discípulos, a tarefa de testemunhar, anunciar e fazer discípulos para que a humanidade chegue ao pleno conhecimento da verdade (1 Tm. 2:4).
A Igreja estava reunida em Lucas 24 quando Jesus aparece e afirma-lhes que n´Ele se cumpriu o que havia sido dito por Moisés e pelos profetas, e ordena-lhes que permaneçam em Jerusalém até que recebam o Espírito Santo. No segundo capítulo de Atos, o Espírito Santo é derramado, fornecendo-lhes o poder necessário para cumprir o mandado do Senhor, chamado de “A Grande Comissão”.
Aqui começa a “Missio Dei” da Igreja. O derramamento do Espírito Santo não é dado para que ela experimente a Sua ação apenas em suas próprias vidas, com o fim em si mesmo ou como mais uma experiência cristã, mas sim como um revestimento de poder para cumprir a sua missão: ser testemunha em todas as partes do mundo. O Espírito Santo é, portanto, o poder para as missões, e sem a ação d´Ele a Igreja não conseguiria realizar esta tarefa. O Pr. Edmilson F. Bezerra, no prefácio do livro sobre missões do Pr. Russell P. Shedd, afirma que “a igreja como um todo precisa aprender a ter a sua visão voltada para fora de si e que alcançar as nações não é algo resultante de um chamado especial da parte de Deus para um grupo seletivo, muito pelo contrário, é um chamado universal e um privilégio de todas as pessoas e de todas as igrejas”. E é exatamente isso que a Bíblia nos mostra, não só nos Evangelhos, como no livro de Atos e em todos os demais livros.
Já dissemos anteriormente que o trabalho missionário é primariamente uma ação de Deus e é o Deus Espírito Santo que, em Atos 2, conduz os discípulos a entenderem que o Evangelho é para outros povos (At. 2:4-12), inclusive aqueles considerados gentios (At. 10:44-49). É Ele quem guia os obreiros ao campo missionário (At. 8:26; 16:6-7) e chama os obreiros para a tarefa missionária (At. 13:2). A Igreja não poderia fazer missões sem a atuação de Deus (Espírito Santo). É Ele quem capacita, autoriza e possibilita o trabalho missionário através de sua ação na vida da Igreja. Uma igreja sem o Espírito Santo não é Igreja, e por isso mesmo não é missionária.
No início do livro de Atos, Lucas dá grande destaque à participação de Pedro e, em seguida, começa a destacar o trabalho de Paulo no cumprimento da missão da Igreja iniciado pelo próprio Cristo e desenvolvido pelos doze. Pedro começa o trabalho missionário no ambiente judaico de Jerusalém e da Judéia e a presença de João ao seu lado serve como confirmação e reconhecimento da sua autoridade como representante dos apóstolos. É a responsabilidade eclesial que deve ser exercida em sintonia com a comunidade local (At. 8:14; 11:1-2). Depois da morte de Estêvão, Filipe evangeliza em Samaria, a costa ao longo do Mediterrâneo até se estabelecer em Cesaréia, onde anima uma comunidade junto de suas quatro filhas “profetisas” (At. 21:8-9). É claro que Filipe não tem a envergadura nem de Pedro, nem de Paulo, mas Lucas não deixa cair no esquecimento o trabalho deste missionário, e lhe atribui o título de “evangelista” (At. 21:8). Em seguida, Lucas fala de alguns Cristãos Helenistas, anônimos, que percorrem as cidades da Fenícia e anunciam o Evangelho aos pagãos de Antioquia (At. 11:19-21). E como reconhecimento do trabalho desses irmãos, a igreja de Jerusalém envia a Barnabé como seu representante para oficializar aquela igreja (At. 11:22). Barnabé é um cristão da patrística, isto é, do primeiro século, que recebe a função de ser o líder da comunidade cristã de Antioquia, e em seguida, juntamente com Paulo, torna-se autor da primeira atividade missionária da diáspora. A partir desse momento, surgem outros colaboradores: João Marcos, cristão de Jerusalém, filho de Maria, que hospeda em sua casa um grupo de cristãos; Silas também de Jerusalém, Timóteo de Listra (At. 15:37-40; 16:1-3), além de muitos outros novos colaboradores que vão surgindo ao longo das igrejas fundadas pelo apóstolo Paulo.
Percebemos que o percurso da missão da Igreja, já nos seus primórdios, seguia o itinerário dado pelo próprio Jesus começando por Jerusalém (Lc. 24:47-48), até os confins da terra (At. 1:8). Pedro começa a pregar apenas para os judeus (At. 2:14, 22; 3:25-26; 13:26, 32-33) indo depois aos gentios (At. 10:24-48). Outro exemplo disso são os irmãos que iam dispersos anunciando em toda a Judéia e Samaria (At. 8:1-4; 11:19-21) e Filipe que, também fugindo da perseguição de Jerusalém, prega o Evangelho em Samaria (At. 8:5-8), o qual é confirmado e testificado pelos apóstolos (At. 8:14,25). Depois ele leva a Palavra salvadora até os confins da terra através do Eunuco etíope que se converte pela sua pregação e em várias cidades até Cesaréia (At. 8:26-40). E por último, mas não menos importante, o apóstolo Paulo que foi escolhido pelo próprio Deus para fazer conhecido o Nome de Jesus entre os gentios, reis e entre os próprios judeus (At. 9:15; 20-22; 28), apesar deste povo, ora não aceitar a palavra de Deus, ora não aceitar a conversão dos gentios. Todavia, mesmo nestes casos, o caráter universal da “Missio Dei” é confirmado, como podemos notar em Atos 28:28.
O alicerce de todo este trabalho da Igreja é o Senhor Jesus e a sua mensagem salvadora (At. 2:22-26; 10:36); é Ele mesmo quem trabalha através da história para provocar a superação das barreiras judaicas a fim de que o Evangelho alcance todas as gentes.
No livro de Atos encontramos ainda o caminho percorrido pela missão da Igreja: o poder do Espírito Santo desce sobre os crentes (At. 2:1-4), os crentes revestidos dão o testemunho sobre as maravilhas de Deus (At. 2:5-47; 3; 4; 5; 7; 8; 9) e a universalidade do Evangelho (At. 10; 11; 12; 13; 14; 15; 16; 17; 18; 19; 20; 21; …). Neste percurso percebemos a iniciativa de Deus como fonte da expansão do movimento missionário da Igreja, principalmente nos momentos cruciais da história: inicialmente em Jerusalém, depois através da perseguição e da dispersão, que fazem o Evangelho chegar a Antioquia e de lá para o mundo gentílico, inicialmente através de Pedro, depois através de Paulo e Barnabé e por fim a formação e o desenvolvimento das igrejas espalhadas pelo império romano indo até a própria Roma – centro mundial.
Em cada passo da Igreja, a “Missio Dei”, através da ação do Espírito Santo, vai se concretizando e se espalhando para alcançar os confins da terra. É a iniciativa do Espírito Santo que impulsiona Pedro a anunciar as Boas Novas a Cornélio e a todos os da sua casa, trazendo transformação não só a estes, como também aos paradigmas do próprio Pedro (At. 10:44-47; 11:18 e 15:8). É Ele quem separa Paulo e Barnabé para pregar entre os gentios de longe (At. 13:2; 14:27; 15:12). Desse modo, o que se observa é que o escritor do livro de Atos mostra que todos os participantes de missões atuam conforme o projeto de Deus e sob o impulso do Espírito Santo.
A igreja de Antioquia, na Síria, é conhecida como o grande exemplo missionário de todos os tempos. Ela própria é resultado da ação missionária de Jerusalém (apesar de que os irmãos saíram de Jerusalém devido à perseguição sofrida e a perseguição só veio porque a igreja crescia naquele lugar). A Bíblia nos diz que foi a ação do Espírito Santo nesta igreja que proporcionou o envio missionário de Paulo e Barnabé para outros povos, nações e línguas (At. 13:1-6, 14, 49, 51; 14:6…).
No exemplo da igreja de Antioquia percebemos que é a igreja quem deve enviar o missionário e não ele próprio se auto-enviar. No entanto para que uma igreja seja enviadora, conforme o mesmo exemplo, ela deve estar atenta à voz do Espírito Santo. Você, como líder de uma igreja de Deus, tem enviado missionários? Se a resposta for negativa, você tem certeza de que está atento à voz do Espírito ou tem dado muito mais importância às “vozes” do mundo e/ ou daqueles que compõem o seu ministério e que, por vezes, são joio no meio do trigo? Outra lição que aprendemos na igreja de Antioquia é que, por ouvir o Espírito Santo, ela deu o melhor de si para o projeto missionário de Deus. Foi o Espírito quem separou, preparou, capacitou e impulsionou a igreja a enviar os seus obreiros para o trabalho missionário.
A própria existência da Igreja é essencialmente divina e missionária. Foi o próprio Deus quem a elegeu para que, através dela, os perdidos pudessem conhecer Jesus e serem salvos. O trabalho missionário é a essência da própria Igreja, pois se não houvesse pessoas que precisassem ouvir a Palavra de Deus e para quem tivéssemos que testemunhar, qual seria então a função da Igreja na Terra? Para que ela existiria?
Uma vez que a função da Igreja é adorar e servir a Deus (Mt. 4:11), então compete a ela levar a preciosa semente a todos os perdidos em toda a Terra (Mt. 28:18-20; Mc. 16:15 e At. 1:8). Fazer missões, portanto, é uma tarefa dada primeiramente à igreja local (At. 8:4) e ela deve caminhar pelo mundo inteiro cumprindo o seu papel de Sal e Luz (Mt. 5:13-16). A Igreja de Antioquia reconheceu essa verdade, ao enviar os primeiros missionários (Atos 13:1-3). Se a Igreja é de fato missionária na sua essência, isto significa que ela foi enviada ao mundo para conquistá-lo para o seu Senhor e não pode ter outra prioridade a não ser a que lhe foi dada (Mc. 16:15; I Pe. 2:9; Jo. 20:21-23). Isto não significa que o trabalho missionário da Igreja seja apenas o de enviar pessoas para outras nações, mas também é composto por todas as ações feitas por ela com o propósito de levar a Palavra de Deus, resgatar almas e conquistar os corações para um relacionamento com Deus. “Missões não é o ‘ministério de escolha’ para alguns cristãos hiperativos na igreja, Missões é o propósito da igreja“. – Autor Desconhecido.
A missão da Igreja é grande demais e desafiadora demais para que apenas algumas pessoas participem dela. Nenhum crente pode omitir-se e negar a sua responsabilidade missionária. “Apenas quando a Igreja cumpre a sua obrigação missionária é que ela justifica sua existência.“ – Autor Desconhecido. John Wesley costumava dizer: “o mundo é a minha paróquia“, para demonstrar que o trabalho missionário deveria alcançar todas as pessoas, e nós, como agentes de Deus, temos o privilégio de pregar Seu evangelho. O apóstolo Paulo ensinou um conceito admirável: ele declarou que cada crente, cada discípulo, sim, cada missionário, pode tornar-se uma “carta viva de Cristo, escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 3:3)